segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O território Guarani-Mbyá: cosmologia e biodiversidade como direito social


Seminário Política Ambiental e Desenvolvimento Sustentável no Brasil
Tema: O território Guarani-Mbyá: cosmologia e biodiversidade como direito social*

Por: William Berger ¹

Introdução

O presente texto aborda alguns pontos de suma importância para se entender a relação entre territórios, saberes das populações tradicionais e a garantia dos direitos dos povos indígenas. Lança um breve olhar sobre a questão indígena no ES, em especial a relação dos Guarani-Mbya e o Mito da Terra Sem Mal, que estabelece uma dinâmica migratória em seu território, até então violado e extremamente não-reconhecido pela sociedade envolvente.

Território, Biodiversidade e Saberes das Populações Tradicionais

Com esse titulo a autora Edna de Castro realiza uma importante discussão a respeito da relação entre as mais recentes abordagens sobre territórios e “povos tradicionais” nas ciências sociais e nas ciências da natureza. A preservação dos ecossistemas e da biodiversidade depende do reconhecimento dos saberes fundamentais de manejo de comunidades tradicionais, que, ao longo do tempo elaboraram um profundo conhecimento sobre os ecossistemas, o que lhes garantiu até a atualidade a reprodução de seu modo de vida, seu sistema social e cultural. (Castro, 2000)

Diante das mudanças econômicas e tecnológicas na era global, retomar valores tradicionais e as concepções sobre territórios e biodiversidade tem se tornado um importante instrumento de garantia dos direitos desses povos. 

O território é aqui entendido como “o espaço ao qual um certo grupo garante aos seus membros direitos estáveis de acesso, de uso e de controle dos recursos e sua disponibilidade no tempo.” (Castro, 2000)

Conforme Godelier apud Castro (2000) o território reivindicado por dada sociedade se constitui em um conjunto de recursos e relações de aspectos visíveis e invisíveis, reunindo elementos técnico-materiais, mágicos e rituais, em uma palavra, simbólicos (Castro, 2000). A relação entre o tempo cotidiano e o tempo dos mitos tem de ser considerada profundamente, pois faz parte de uma relação que integra a vida econômica, tendo sido construída ao longo de muitas e muitas gerações. Estudos da etnociência e da antropologia cultural podem comprovar tais afirmativas (Castro, 2000: 166 e 167).

O conhecimento técnico e econômico ignora esses saberes, e, dessa forma, as identidades étnicas de diversas nações indígenas, por exemplo, têm sido suplantadas em prol da ideologia desenvolvimentista (Castro, 2000).

Assim, as associações ocidentais entre populações tradicionais e desenvolvimento sustentável têm tido cada vez mais abrangência e têm gerado desafios para o conhecimento produzido nas ciências sociais, que é o de defrontar as explicações da relação homem X natureza (Castro, 2000).

Como se dá essa relação para os Guarani-Mbyá?

Um importante estudo sobre os Guarani-Mbya de todo o litoral brasileiro vem sendo feito pelo Centro de Trabalho Indigenista do Centro de Ciências Sociais da PUC-SP, sob orientação da professora Dr. Maria Inês Ladeira.

Essa autora vem pesquisando a relação dos Guarani-Mbya com seu território. Conforme Ladeira (2004) é preciso lançar um olhar mais depurado sobre a relação desse povo, seu território e o mito da “Terra Sem Mal”, pois os Guarani-Mbya estão à procura do paraíso terrestre, e por esse motivo têm, desde antes dos tempos da Colonização, uma dinâmica migratória, sob um vasto território à beira-mar, que vai do litoral do Rio Grande do Sul até o Espírito Santo, com amplas extensões para o interior, cobrindo a quase totalidade do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, além de partes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul e de extensões na Argentina e no Paraguai (Ladeira, 2004)

Conforme o mito, seu paraíso se encontra além do mar, do Oceano Atlântico, e em visões e pajelanças esse povo foi eleito e revelado por Yanderu (Deus supremo) para adentrar o paraíso em vida. Porém, só os que se mantém fiéis às caminhadas, poderão usufruir da realização da promessa (Ladeira, 2004).

No documentário “Cruzando o Deserto Verde” podemos constatar a persistência do mito até os dias de hoje na fala, por exemplo, do cacique Guarani da Aldeia Boa Esperança (ES):

Quando nós cheguemo aqui no Espírito Santo. Nós cheguemo num lugar que mi avô tem a procura da terra prometida. Então eu sei que aonde nós tamo, aqui, é uma aldeia revelada.
                 (Cacique Jonas Carvalho – Guarani-Mbya. In: Documentário 
                 “Cruzando o Deserto Verde” – FASE-ES)

Durante séculos a dinâmica territorial desse povo tem sido ignorada sob o argumento de que perderam sua identidade cultural e logo não se justificaria, assim, a posse do território. Dessa forma foram expropriadas suas terras, devastadas as matas e mortas incontáveis gerações de Guaranis.

Passaram então a camuflar sua identidade usando as roupas do homem branco a fim de preservarem suas vidas e sua cultura. Conforme Ladeira (2004), esses indígenas têm de ser considerados em sua totalidade independente das distâncias que marcam suas aldeias, pois as relações de parentesco entre o Mbya são até hoje extremamente observadas. Se consideram, em diferenciação ao Guarani Nhandeva e Kaiowá (ou Xiripa), o povo eleito por Yanderu para adentrar a “Terra Sem Mal”, por isso a realização dos casamentos, por exemplo, não abre excessão nem mesmo entre a nação Guarani (composta dos três povos Mbya, Nhandeva e Kaiowá - ou Xiripa - ) (Ladeira, 2004).

Ocupam assim e necessitam preservar uma extensão territorial de uso exclusivo e em lugar não-fixo, pois têm uma ocupação não-estática do território, justificada pelo sistema religioso (Ladeira, 2004).

A forma como tem sido pensadas as Unidades de Conservação e Unidades de Proteção Permanente no território desses povos, tem excluído uma dinâmica tradicional, que estabelece uma forma equilibrada de manejo da Mata-Atlântica, devastada progressivamente ao longo do litoral brasileiro, em primeiro plano, pela racionalidade colonialista.

Essas comunidades deveriam estar recebendo a proteção ambiental de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal de 1988, estendendo assim a possibilidade para as demais comunidades indígenas de realizarem seus zoneamentos e seus próprios planos de gestão sem maiores entraves ao reconhecimento e conservação de seus direitos originários (2004:13).

Considerações Finais

Não podemos continuar a ignorar os direitos dos povos indígenas em nosso país e sua relação tradicional com seus territórios. Toda e qualquer política pública deve levar em conta seus sistemas religiosos e sua dinâmica territorial, a fim de que realmente se façam garantidos seus direitos de preservar seu território, sua cultura, seu modo de vida, caso contrário estaremos levando a morte cultural a esses povos, já que sua cosmologia tem um outro tempo e um outro espaço.

Notas

* Seminário apresentado na Disciplina "Política Ambiental e Desenvolvimento Sustentável no Brasil", sob orientação do professor Pós Dr. Rafael Soares Gonçalves.

1 -  Assistente Social, ator, multiplicador do Teatro do Oprimido (RJ). Mestre em Serviço Social (PUC-Rio). Pesquisador da Questão Indígena na área do Serviço Social. Articulador Nacional da Questão Indígena.

Bibliografia

CASTRO, Edna de. Território, Biodiversidade e Saberes de Populações Tradicionais. In: DIEGUES, Antônio Carlos (org.). Etnoconservação novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo: Hucitec, 2000. 290 p. p. 165-182.

Documentário: Cruzando o Deserto Verde. FASE. Vitória –ES: 200?.

LADEIRA, Maria Inês. Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Mata Atlântica – áreas protegidas. In: Marandú Revista Eletrônica do CTI (Centro de Trabalho Indigenista). Ano I, n° 2, Agosto/2004.

Nenhum comentário: